A união estável é uma relação afetiva firmada pelos conviventes ao longo de um determinado lapso temporal, de maneira pública, contínua e ininterrupta, com objetivo de constituir família, tal qual disciplina o artigo 1.723, do Código Civil.
Muito longe de ser um instituto cujas regras legisladas espelham o espectro fático vivenciado pelos conviventes, a União Estável desde a sua introdução no ordenamento jurídico pátrio pela Constituição da República de 1988, passando pela Lei 9.278/96 até o atual Código Civil de 2002 enseja debates e questionamentos doutrinários e jurisprudenciais.
Um deles refere-se aos efeitos patrimoniais em relação aos bens adquiridos ao longo dessa convivência. O legislador, quando da formulação da Lei 9.278/96, estabeleceu a presunção de esforço comum na aquisição dos bens, cuja forma seria o condomínio em partes iguais. O Código Civil promulgado em 2002, mesmo sendo resultado de projeto de lei com muitos anos de tramitação no Congresso Nacional, avançou um pouco mais sobre a matéria e equiparou os efeitos patrimoniais da união estável aos do casamento, atendendo ao anseio constitucional da facilitação da sua conversão neste (artigo 226, § 3º, CR/88).
O Código Civil assegurou aos conviventes a possibilidade de estabelecerem regime de bens diferenciado, através da pactuação escrita, como forma de preservar a liberdade daqueles e a proteção ao patrimônio anterior e ao constituído a partir da união estável. Até aqui não há controvérsia. O dissenso se dá quanto ao momento de se estabelecerem essas tratativas. O Superior Tribunal de Justiça, ao exercer a função de uniformizar a interpretação legislativa sobre o tema, já teve a oportunidade de fixar o entendimento de que são possíveis as alterações de regime de bens do casamento na sua constância, porém a alteração de regime somente produzirá efeitos ex nunc, ou seja, para o futuro, como restou assentado no julgamento do REsp 1.300.036/MT, pela 3ª Turma, DJe 20/05/2014.
Em razão desse entendimento no tocante às relações patrimoniais havidas no casamento, o Superior Tribunal de Justiça declarou que “não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos retroativos à união estável elegendo o regime de bens para a sociedade de fato, pois, assim, se estar-se-ia conferindo mais benefícios à união estável que ao casamento” (REsp 1.383.624/MG, 3ª Turma, DJe 12/06/2015).
Com base nesse raciocínio, a Ministra Nancy Andrighi firmou divergência no julgamento do Recurso Especial nº 1.845.416/MS e foi seguida pela maioria dos integrantes da Terceira Turma, para estabelecer que é possível a alteração do regime patrimonial da união estável desde que expressamente pactuado, sendo que o silêncio sobre o regime de bens não importa em lacuna legislativa, pois se aplica a regra do artigo 1.725, CC: a comunhã parcial de bens.
A conclusão do acórdão foi de que: na hipótese, a união estável mantida entre as partes sempre esteve submetida ao regime normativamente instituído durante sua vigência, seja sob a perspectiva da partilha igualitária mediante comprovação do esforço comum (Súmula 380/STF, editada em 1964), seja sob a perspectiva da partilha igualitária com presunção legal de esforço comum (art. 5º, caput, da Lei nº 9.278/96), seja ainda sob a perspectiva de um verdadeiro regime de comunhão parcial de bens semelhante ao adotado no casamento (art. 1.725 do CC/2002).
Assim sendo, de acordo com o STJ, o silêncio das partes a respeito do regime de bens traduz a submissão ao regime legal – comunhão parcial – não tendo efeitos retroativos a lavratura de escritura pública que altere referido regramento.
José Ricardo Alves Ferreira da Silva, graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG em 2003. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Gama Filho, pós-graduado em advocacia empresarial, contratos, responsabilidade civil e direito de Família pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.