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Crise reputacional e a ilusão da invulnerabilidade: o caso Cacau Show e a urgência do compliance estrutural

Vivemos a era da exposição. E, na era da exposição, o silêncio institucional é sempre interpretado como confissão.

Foi o que se viu recentemente no caso envolvendo a Cacau Show e seu CEO, Alê Costa. Em poucos dias, denúncias de ex-franqueados e ex-colaboradores ganharam os holofotes, trazendo à tona acusações que vão desde práticas empresariais controversas até alegações de ordem pessoal, muitas ainda em apuração.

Independentemente da veracidade dos fatos narrados — matéria que caberá ao tempo, aos órgãos competentes e, eventualmente, ao Judiciário esclarecer —, uma consequência já se impôs de forma inquestionável: o abalo à imagem da empresa.

E isso nos leva a uma reflexão jurídica inevitável: por que estruturas empresariais economicamente robustas ainda negligenciam os alicerces do compliance, sabendo que vivemos em um ambiente regulatório, social e tecnológico que não tolera mais opacidade?

Compliance: da função meramente decorativa à exigência de integridade sistêmica

No Brasil, compliance ainda é confundido com formalismo. A ideia equivocada de que se trata apenas de cumprir leis e manter documentos arquivados em pastas, físicas ou digitais, revela o quanto parte do setor empresarial subestima sua natureza.

Compliance não é sobre “parecer” ético. É sobre estruturar a ética como princípio operacional.

Seu escopo ultrapassa a esfera normativa e penetra no campo da governança corporativa, da responsabilização de lideranças, da criação de canais seguros de denúncia, da formação contínua de colaboradores e da implementação de mecanismos internos de autocorreção.

Empresas que tratam o compliance como um anexo — e não como parte orgânica de sua atuação — tendem a sucumbir em momentos de crise. E, como ensina a experiência forense, crises reputacionais quase nunca batem à porta. Elas arrombam.

O risco jurídico da omissão: responsabilidade objetiva e reflexos nas esferas cível, trabalhista e regulatória

No contexto atual, o custo da negligência não é apenas reputacional. É jurídico.

A ausência de estruturas efetivas de compliance pode ser interpretada, em certos casos, como culpa in vigilando ou culpa in eligendo, o que atrai a responsabilização civil da empresa por atos de seus prepostos. No campo trabalhista, denúncias que envolvem assédio moral ou práticas abusivas podem gerar condenações pesadas, especialmente se ficar demonstrado que a empresa não adotou medidas preventivas eficazes.

Já nas relações com o poder público — especialmente nos setores regulados —, a ausência de políticas de integridade pode ensejar a rescisão de contratos públicos, aplicação de sanções administrativas, impedimento de contratar com a Administração e responsabilização com base na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013).

O cenário, portanto, não é apenas de risco reputacional. É de potencial desintegração jurídico-institucional, especialmente em empresas que atuam em rede, como é o caso do franchising.

O consumidor e a mudança de paradigma: da aquisição do produto à adesão aos valores

É um erro estratégico presumir que o consumidor médio se limita à avaliação custo-benefício do produto. A sociedade atual — amplificada pelas redes — se guia por critérios morais. Compra-se a marca, mas, antes dela, observa-se quem a representa.

Se o CEO se torna símbolo de práticas reprováveis, mesmo que no plano pessoal, os reflexos atingem diretamente a credibilidade da empresa. E, uma vez violada a confiança do público, o caminho de reconstrução é árduo, lento e raramente completo.

Conclusão: compliance como imperativo de sobrevivência

O caso da Cacau Show deve servir como alerta — não para demonizar a marca ou seu fundador, mas para evidenciar que nenhuma empresa está imune ao escrutínio social e jurídico.

Mais do que um departamento, o compliance precisa ser um compromisso institucional. Ele deve permear decisões, orientar comportamentos e estruturar respostas rápidas em cenários de crise.

O que está em jogo não é apenas a imagem pública. É a capacidade da empresa de continuar existindo com legitimidade, segurança jurídica e viabilidade econômica.

Ignorar essa realidade não é apenas um erro gerencial. É uma falha estratégica com implicações jurídicas profundas.

Guilherme Campos Coelho